Pele e Psiquismo
Considera-se que a mente tem dois aspectos: a parte consciente e a parte inconsciente. A mente consciente, que focaliza nossa atenção a cada momento, processa apenas cinco a sete estímulos simultaneamente. O que ultrapassar esse limite é excluído da mente consciente.
Todo o resto da nossa vida, das nossas ações e dos processos orgânicos se desenvolve sem que precisemos ter a atenção fixada neles, ou seja, ocorre sem que deles tomemos conhecimento, portanto fora da nossa consciência.
A mente inconsciente é o reservatório de todas as experiências vividas e das funções automáticas e perfaz pelo menos 98% de nossa vida mental. Todo aprendizado, toda mudança e todo comportamento são inconscientes. O consciente está sob nosso domínio a cada momento; podemos escolher sobre o que fixamos nossa atenção. O inconsciente não está sob nosso domínio e, por outro lado, domina nossa vida e tem poder ilimitado.
Se trabalharmos com o inconsciente, poderemos realizar coisas que estão fora do domínio consciente. Todos já tiveram a experiência de, numa situação extrema, conseguir fazer alguma coisa antes inimaginável. Após o fato passado, chega a dizer: “Não sei como consegui fazer o que fiz!” Ou seja, fez algo que não acreditava ter capacidade para fazer e fez movido por alguma força fora da sua atenção consciente.
O que é Hipnose
Essa capacidade desconhecida é o campo de ação da hipnose, hoje aceita como recurso médico, mas que é ignorada pela larga maioria dos profissionais da medicina. A hipnose nos permite dissociar as duas partes da mente, ter acesso aos poderes do inconsciente e induzir um estado de transe natural para o fim específico de benefício da pessoa, no caso da hipnose terapêutica.
Na definição de Fábio Puentes é: “um estado de concentração incrementada, que clarifica a mente e elimina toda negatividade, no qual as sugestões se realizam com uma potência muito maior da que é possível em condições normais”.
Durante a hipnose ocorre um estágio de pré-sonolência, consciência passiva e sensação de paz. Isso produz descontração muscular, relaxamento e calma. É um estado intermediário entre a vigília e o sono fisiológico.
Nessa situação, reduz-se o campo da consciência, cessa a percepção crítica e abre-se o caminho para atuar sobre o inconsciente. As sugestões dadas em estado hipnótico atingem a mente inconsciente e exercem influência sobre o comportamento e os sentimentos sem a participação intencional da pessoa.
Da mesma forma que as crenças inconscientes levam a pessoa a agir sempre de determinadas formas, uma sugestão hipnótica é capaz de alterar condições fisiológicas, psicológicas e comportamentais sem que a pessoa se dê conta de como ocorreu a mudança.
Tipos de induções hipnóticas
A hipnose pode ser induzida em adultos por diversos métodos que focalizem a atenção, acalmem ou produzam monotonia ou confusão. Relaxamento muscular é um método eficiente. Nem toda hipnose exige relaxamento. Sempre que se está em profunda concentração pode-se estar em estado hipnótico. Isso ocorre quando alguém está em atividade, como correndo, nadando, dançando completamente absorvido pelo que está fazendo e, consequentemente, desligado de qualquer outra coisa que esteja acontecendo em volta.
Quando está totalmente absorto por uma leitura ou pela assistência a um filme ou por um pensamento ou numa prática religiosa da mesma forma está hipnotizada. Pode-se considerar que todas as pessoas já foram de alguma forma hipnotizadas e passam por rápidos transes hipnóticos várias vezes por dia.
Também pode ser induzida por meio de uma linguagem especial, com o emprego de termos específicos e diferenciados para cada pessoa e utilizando coisas da própria pessoa, ao invés de induzir um transe formal. Em crianças, a hipnose pode ser induzida levando-as a imaginar que estão assistindo a televisão ou a um filme ou empregando algum meio de distração.
Aplicação em Dermatologia
A hipnose não é tratamento nem psicoterapia, mas um recurso auxiliar que consiste de consciência estreitada e seletiva, atenção focalizada e restrita e elevada sugestibilidade. Pode regular o fluxo sanguíneo e outras funções autônomas, que não estão normalmente sob o controle consciente.
Em dermatologia, pode diminuir a dor na pele, o prurido, intervir em aspectos psicossomáticos de doenças cutâneas e levar à resolução ou controle de algumas dermatoses, como verrugas vulgares, psoríase, dermatite atópica, urticária, acne escoriada, alopecia areata, eritrodermia ictiosiforme congênita, dermatite disidrosiforme, eritromelalgia, furunculose, glossodinia, herpes simples, hiperidrose, ictiose vulgar, líquen plano, neurodermite, dermatite numular, nevralgia pós-herpética, rosácea, tricotilomania e vitiligo, segundo Philip D. Shenefelt, professor associado da Divisão de Dermatologia e Cirurgia Cutânea da Faculdade de Medicina da South Florida University.
Esse autor afirma que, entre as vantagens da hipnoterapia médica, estão a capacidade de obter resposta, quando outras modalidades de tratamento falharam, a possibilidade de reduzir recidivas e o poder dos pacientes de se tratarem e alcançarem um senso de controle, se forem treinados em auto-hipnose, a ausência de toxicidade e a relação custo-eficácia.
A aplicação deste tratamento pode ter como resultado pacientes satisfeitos e agradecidos, por sentirem o imediato efeito do método e perceberem, às vezes instantaneamente, o desaparecimento do incômodo. O trabalho pode visar a transformação da causa-raiz, a eliminação do sintoma ou a modificação da resposta condicionada ao sintoma.
Isso dependerá da história a ser colhida do paciente antes de realmente se proceder o tratamento e será orientado primeiramente para aquilo que for mais importante para o paciente.
Casos clínicos
Uma paciente se queixava de prurido em várias áreas da pele, que se manifestava com intensidade de quatro a seis vezes por dia, havia dois anos e meio. Já fora tratada com toda sorte de medicamentos indicados para o caso, principalmente corticosteroides, anti-histamínicos e ansiolíticos. A pele apresentava áreas de espessamento e escurecimento em virtude do atrito frequente.
Na anamnese, verificamos que a paciente se recordava do momento de início do sintoma, que havia sido um conflito entre suas perspectivas estabelecidas à época e uma nova realidade, que impedia seus planos de serem realizados. Feita uma sessão de hipnose com sugestão de recuperação da pele, na segunda sessão a paciente se dizia menos ansiosa, a pele estava com melhor textura e o prurido se manifestava somente uma a duas vezes por dia.
Foi dada, então, a sugestão de que a atividade que fora obrigada a desenvolver, que não correspondia a seus desejos, teve uma finalidade elevada e que fora muito benéfica para ela e sua família. Na terceira sessão, a pele estava curada e só sentia leve prurido em uma pequena área. Na quarta sessão, não havia mais sinal de lesão cutânea e o prurido tinha desaparecido.
Outra paciente, apresentava manchas de vitiligo no rosto, que vinham sendo tratadas havia alguns anos. Prescrevemos apenas um creme para o rosto e iniciamos sessões de hipnose com sugestão de repigmentação. Na segunda sessão, a pele alterada já tinha intensa repigmentação. Na terceira sessão, a repigmentação era quase completa.
Entre a primeira e a terceira sessões decorreram apenas quatro semanas. As manchas de vitiligo normalmente levam meses para começar a ter início de repigmentação.
Outra paciente, sofria de manchas brancas, típicas de vitiligo, no lado esquerdo do rosto, desde o supercílio até atrás da orelha. Também foi prescrito um creme e iniciaram-se sessões quinzenais de hipnose. Após oito sessões, que levaram três meses, a recuperação já era de 70%.
Outra paciente era alérgica a ácido acetilsalicílico, procaína e sulfa e veio à consulta com queixa de urticária, acompanhada de intenso prurido, que durava já mais de dois meses. Tinha sido tratada com os medicamentos indicados para a doença, que foram anti-histamínicos, antipruriginosos e cremes de corticosteroides sem nenhuma melhora. Relatou estar muito tensa por um problema familiar, que já deveria ter sido resolvido, mas por motivo profissional, prolongava-se e estava sem término previsível.
Foi mantido o medicamento anti-histamínico e foi feita uma sessão de hipnose com foco na solução do problema. Na semana seguinte, por ocasião da segunda sessão, não havia mais empolação nem coceira. A paciente não precisou voltar para a terceira sessão.
Colaboração: Dr. Roberto Azambuja • Dermatologista
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Originalmente publicado no site Dermatologia.net.
Atualizado em 2016/01/17